A Evolução da CPR
- Marco Antonio

- 21 de ago. de 2021
- 7 min de leitura

A cédula de produtor rural é um título de crédito que nasceu das relações originadas entre produtores rurais. Decorria de negócios verbais que os produtores conheciam e entendiam, sem cláusulas complexas e com obrigações simples. Era um título que representava uma operação de fato pela qual um produtor rural vendia para outro o chamado soja verde, com a promessa pura e simples de entrega do fruto da lavoura a ser produzido .
Foi inspirada na cédula de crédito rural que era uma operação bancária usada particularmente pelo Banco do Brasil. Os agricultores chamavam de “carta de soja” para comercializar soja verde.
A CPR regulamentou o dinheiro do produtor, que era o produto da lavoura, no caso do sul do Brasil era o soja.
Mas o que é soja verde? Para os letrados dos anos 80, era difícil entender a denominação “soja verde” e pressupunha-se que o produto ainda não estivesse maduro e que fosse colhido e comercializado dessa forma, ou seja, ainda verde. Na realidade, “soja verde” nada mais era do que a comercialização futura do fruto ainda não produzido da lavoura. Tal denominação era de fácil compreensão para o homem do campo, o que era necessário era documentar a operação ou, como muitos agricultores diziam, “fazer o papel” para regulamentar essa transação comercial agrícola.
A operação narrada deveria ser objeto de contrato de compra e venda futura de cereais, documento via de regra complexo, com cláusulas e condições que demandariam mão de obra especializada o que, naquela época, era demasiadamente dispendioso e excessivamente custoso no interior deste grande Brasil. Ocorre que, no final dos anos 80, a contratação de serviços jurídicos não era uma realidade tão presente no agronegócio, visto que raros eram os agricultores que possuíam escritórios com mão de obra qualificada, e o ensino ainda era um sonho distante para a maioria dos brasileiros.
A venda de soja verde naquela época era realizada por meio da chamada “carta de soja”, quando um produtor receberia um valor adiantado por determinada quantia de sacas de soja que ainda não havia plantado e se comprometia a entregar aquele produto, depois de colhido, no armazém geral em nome do comprador, geralmente outro agricultor.
Com o passar do tempo essa operação começou a se tornar comum e houve necessidade de regulamentação.
Nasceu então a Lei nº 8.929/94, que criou a Cédula de Produtor Rural. Naquela época, a CPR era uma obrigação de entrega do produto fruto da lavoura, conforme a redação de seu artigo primeiro, que dispunha: Fica instituída a Cédula de Produto Rural (CPR), representativa de promessa de entrega de produtos rurais, com ou sem garantia cedularmente constituída.
Logo se percebeu que as operações nascidas em conversas informais era um excelente meio de comercialização de produtos agrícolas e que a lei da CPR poderia ser aperfeiçoada. No ano de 2001, a Lei nº 10.200 autorizou que, em determinados casos, a CPR poderia ser paga em dinheiro ao invés da entrega em produtos, conforme disposto anteriormente e passou a autorizar o novo artigo 4-A inovado pela referida lei, que previa o seguinte: Fica permitida a liquidação financeira da CPR de que trata esta Lei, desde que observadas as seguintes condições.
A CPR, que havia nascido de negócios originalmente verbais entre agricultores, agora havia se tornado um verdadeiro título cambial, podendo ser emitida para entrega de produtos e também para pagamento em moeda corrente. Assim, fixava preço na quantidade de produto que representava, no caso de ser uma CPR Financeira e desde que emitida em favor de determinados credores específicos.
Diante de tantas inovações, a CPR acabou tendo pouco uso para representar, da forma que nascera, relações entre agricultores. O título não era mais usado comumente entre vizinhos para representar a transação de venda futura de soja verde entre eles e passou a ser utilizado em relações negociais entre agricultores e bancos, tradings e empresas relacionadas ao agronegócio, bem como passou a ser usada como meio de garantia de pagamento das obrigações comerciais firmadas nas mais diversas relações comerciais do agronegócio.
Praticamente todas as operações contratuais praticadas com tradings e empresas que comercializavam insumos agrícolas com agricultores faziam uso da CPR como instrumento de garantia de suas obrigações. Era muito comum verificar contratos típicos de venda futura de grãos, contratos de compra e venda dos mais variados, tais como imóveis, maquinários, veículos e, até mesmo empréstimos bancários, serem garantidos por CPR’s com penhor de safra em primeiro grau.
A CPR tornou-se, portanto, um importante meio de garantia de empréstimos para os contratos agrários, devido a sua facilidade de execução, sequestro de frutos, visto que o penhor de safra em primeiro grau da lavoura dado em garantia era absoluto em favor do credor e simples de ser constituído, pois bastava a descrição da matrícula do imóvel e o registro do penhor no livro correspondente no registro de imóveis.
Além de instrumento de garantia, a CPR também se tornou meio de representação de troca de produtos agrícolas por insumos entre agricultores e fornecedores de produtos agrícolas em operações Barter, negociação em que produtores rurais trocam o fruto da lavoura por insumos com os vendedores de produtos tais como: sementes, fertilizantes e outros. Esses vendedores, por sua vez, endossam a CPR para seus fornecedores como forma de pagamento ou de garantia para outros negócios.
Todas as operações citadas somente se tornaram possíveis por causa da facilidade de operacionalização da CPR, que se tratava de uma ferramenta de que o agronegócio dispunha para operacionalizar várias transações do dia a dia de toda a cadeia produtiva, desde o preparo do campo para plantio até a venda da safra.
Assim era até o avento da nova lei do agronegócio, Lei nº 13.986, de 7 de abril de 2020. Essa nova legislação trouxe várias inovações sobre títulos de crédito do mercado financeiro e, em especial, sobre a CPR trazendo novas características para este título, burocratizando sua emissão e a tributando em determinados casos.
Muitas inovações foram criadas com a nova lei do agronegócio , dentre as quais a da possibilidade de o agricultor constituir patrimônio rural em afetação, como garantia de dívidas, por meio de um novo título chamado Cédula Imobiliária Rural - CIR. Esse novo modelo possibilita ao credor consolidar a propriedade rural dada em garantia sem que seja necessário o ajuizamento de ação judicial ou notificação do devedor no caso de não adimplemento do título emitido pelo devedor.
Vemos tal inovação como uma boa atualização na nova lei do agro, pois a referida garantia fica, inclusive, protegida em relação à recuperação judicial.
Também fica excluída da recuperação judicial os créditos e as garantias cedulares vinculados à CPR com liquidação física, no caso de antecipação parcial ou integral do preço, ou ainda, representativa de operações de troca por insumos (barter). Ainda especificamente sobre a CPR, verifica-se que o título pode ser emitido de forma cartular ou escritural e garantido com penhor ou alienação fiduciária da lavoura, necessitando de escrituração do título em sistema eletrônico de escrituração gerido por entidade autorizada pelo Banco Central do Brasil.
Existe ainda a previsão da incidência de impostos sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários, no caso da emissão da CPR por pessoas não elencadas no Art. 2º da Lei da CPR (Têm legitimação para emitir CPR o produtor rural, pessoa natural ou jurídica, inclusive aquela com objeto social que compreenda em caráter não exclusivo a produção rural, a cooperativa agropecuária e a associação de produtores rurais que tenha por objeto a produção, a comercialização e a industrialização dos produtos rurais de que trata o art. 1º desta Lei).
O Novo artigo 12 da Lei da CPR agora dispõe que o título emitido a partir de 1º de janeiro de 2021, bem como seus aditamentos, para ter validade e eficácia, deverá ser registrada ou depositada, em até 10 (dez) dias úteis da data de emissão ou aditamento, em entidade autorizada pelo Banco Central do Brasil a exercer a atividade de registro ou de depósito centralizado de ativos financeiros ou de valores mobiliários. (Redação da pela Lei nº 13.986, de 2020
Segundo Resolução do Conselho 4.870/2020, alterada pela resolução 4927/21, ambas do CMN, as CPR´s emitidas fora dessas condições, como por exemplo, as emitidas em favor de particulares ou empresas privadas, estarão temporariamente dispensadas de registros segundo a regra dos incisos I, II e III do art. 2º da Resolução (alterada pela Resolução CMN n. 4.927 de 24.06.2021), que tomou por base o valor referencial de emissão para escalonar a obrigatoriedade. Assim, ficam dispensados o registro e o depósito de Cédula de Produto Rural cujo valor referencial de emissão seja inferior a:
I – R$1.000.000,00 (um milhão de reais), emitida no período de 1º de janeiro de 2021 a 31 de dezembro de 2021;
II – R$250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), emitida no período de 1º de janeiro de 2022 a 31 de dezembro de 2022; e
III -R$50.000,00 (cinquenta mil reais), emitida no período de 1º de janeiro de 2023 a 31 de dezembro de 2023.
Vale ressaltar, ainda, a adição, pela Resolução, de mais um requisito essencial de validade do título, a saber, a exata indicação do valor referencial de emissão, com indicação do preço, da sua data de apuração e a identificação da instituição divulgadora do índice e da praça ou do mercado de formação do preço.
Assim, a CPR que anteriormente servia como lastro para simples garantia de várias obrigações de negócios, deixou passou a ser um título de crédito complexo, comprazos e requisitos específicos a serem seguidos, os quais devem ser observados pelos emitentes para que sejam evitados problemas futuros caso seja necessária a execução do título.
Anteriormente, a CPR, usada como forma de garantia de pagamento de obrigações de negócios agrícolas, após a conclusão do negócio, era devolvida ao emitente pelo credor, e simplesmente destruída. Agora, com a necessidade de escrituração do título e até mesmo com a previsão de tributação sobre ele em determinados casos, pode ser que esta modalidade deixe de existir pela dificuldade do seu uso.
Talvez seja necessário voltarmos a aprender com os homens do campo dos idos do final dos anos 80 que criaram uma nova forma de comercialização ainda não regulamentada, e, posteriormente após várias inovações legislativas, foi sendo burocratizada e estragada.
Sobre o autor:
Marco Antonio Fernandes é advogado especialista em direito civil e processual civil, atua no ramos do agronegócio, direito contratual e do trabalho na região do MATOPIBA à 16 anos. Atualmente está cursando MBA em Direito do Agronegócio pela FGI e Pós Graduação em Processo Civil pelo IDP.


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